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VERDEANTE (Interregno)

“As cores são atos e padeceres da luz” ___Goethe

“agora – todos juntos / uma canção verde” ____Emilio Westphalen

Curadoria e Texto: Adolfo Montejo Navas

A ideia de que o espaço pode ser fruto de uma sinergia ativada, uma nova relação de sentidos, convive já com as mais instigantes experiências da escultura na fronteira da instalação ou até da dança contemporânea mais experimental. O convite das artes plásticas mais abertas a uma nova equação sinestésica favorece que sentidos, tidos como secundários no etnocentrismo visual, como o olfato (veja-se e sinta-se este Verde é o Verdeou toda a obra de Artur Barrio), ou então o paladar (a lembrar Lygia Pape e sua pioneira Roda dos Prazeres), sentidos como sensorialidades reconquistadas, sejam então dimensionados como a verdadeira natureza da obra. Híbrida por condição e destino.

Aqui, nesta obra de Eliane Prolik, a emanação da cor já se traslada ao sentido do olfato como aroma – é um verde que se cheira, que se materializa no ar –, como acontece com a planta da erva-mate e sua tradução real (odor de mato intenso). Nesta contiguidade, ou melhor, comunhão de sensorialidades, a artista apresenta uma tautologia ensimesmada no próprio título, que parece ecoar de versos de Federico García Lorca (“verde que te quiero verde”), uma cor que sempre quis ter um peso simbólico central e transicional (por estar no meio da gama e dos valores positivo-negativo), até chegar à ideologia ecologista mais próxima (equilíbrio, esperança, proteção). Uma cor cifrada, diga-se, na passagem, que tem seus próprios “efeitos sensíveis-morais” para Goethe e que, neste caso, ganha relevo, dimensão sem fim no trabalho da artista, pela sua ressonância, reverberação, espelhamento, looping – daí também sua tautologia nominal.

Enquanto isso, o trabalho de Eliane Prolik sabe se posicionar em um interregno, que mexe com várias instâncias derivadas e projetadas pelo imaginário da erva-mate como planta cultuada, não só pelas características terapêuticas, de ordem espiritual, quanto pelas raízes de ordem histórico-social e econômica, ou seja, quando se religam as virtudes interiores e exteriores, transcendentes e contingentes (ambas inerentes). Entrelaçadas assim, configuram-se neste espaço e neste trabalho, questões de geografia, economia, história, sociedade. Interrogações e convivência.

De novo, o habitat desta torre abriga uma situaçãoespecífica de diálogo entre a arquitetura e a arte, a cultura e o ser humano, uma tensão medida entre estas coordenadas tão variáveis. Aliás, não deixa de ser um site specific trans-histórico, pois o Palacete dos Leões é o lugar associado à erva-mate e à marca Matte Leão. De fato, os fardos em forma geométrica, suspensos e em equilíbrio no exterior das janelas deste local, não só reforçam a ligação de visualidade semioculta e a presença da matéria-prima, quanto mostram o interior e o exterior de uma instalação sui generis, potenciando um âmbito reduzido que implode conosco dentro, pois há uma força a ser interiorizada (desde os contornos de fora do pátio e do estacionamento de carros até o lugar que se anuncia nas janelas da torre). Uma imantação a ser reconhecida, já que a imagem se propaga, se estende, manchando e inundando o local, onde arquitetura (o concomitante piso de granito verde, as janelas vedadas na variante da cor), geometria e matéria, estrutura e sentidos se imbricam: o estado orgânico da planta e nossa visita, duas coisas em processo, em trânsito paralelo, convergente.

Doravante, o que acontece neste Verde é o Verde (2020-21)é uma operação que afeta a sensibilidade como um todo, porque não só contemplamos o verde enquanto cor e símbolo, mas o sentimos também sendo espaço e até olfativamente, pois é um verde que reverbera, produz seus ecos. Mais perto da introvisão (termo de Arthur Zajonc) que apontava para a consideração goethiana de autoformação: de requerer do olho imaginação para se ver, empenho. Não é à toa que esta cor representa também a função perceptiva. Reconhecida na sinestesia construída pela artista de ligar a cor ao aroma, o estatuto de representação da folha a sua presença, o matérico ao inefável (o que explica a atenção à luz, ao tempo, à atmosfera, em suma, à condição temporal, mutante do ambiente criado para viver, respirar).

Um verde que se estrutura através de nuances, de proposições construídas, diríamos religares, precisamente, de uma matéria-prima emblemática para a cultura do Paraná. E que é, portanto, uma obra representativa, cultural, antropológica, também por essa necessidade de conjugação do verbo que indica um caminho verdeante de pôr vida: verdeando.

Adolfo Montejo Navas